Eternocepção
Somos eternos?...
A eternidade da alma foi por muito tempo um realidade para mim. Criado na tradição cristã e buscando a espiritualidade de outras tradições nunca havia me questionado a esse respeito. No entanto o convívio com o final da vida trouxe aos poucos questionamentos importantes a esse respeito. Lentamente a percepção da finitude foi tomando força como fato inexorável e grande ensinamento para a vida. Afinal como escrevia Rubem Alves: “A morte não fala de si mesma, fala do que fazemos e não fazemos da vida.”
Nessa perspectiva da inexorabilidade do fim me sentia muitas vezes subjugado por sentimentos niilistas a respeito da vida. Será que devo me esforçar tanto? Para que tanta preocupação? Tanto empenho? Tantas expectativas? Se tudo termina.
Foi então que o marido de uma paciente internada com Alzheimer me disse:
“Não me preocupo pois sou eterno!”
Pasmei! Como alguém pode dizer isso?! Minha provável cara de assombro diante daquela afirmação acelerou que se explicasse. Já erámos conhecidos há anos e nosso vínculo facilitava a intimidade:
“Sei que vou morrer, não sou um lunático. Mas vivo sempre como se fosse eterno. Tenho 88 anos e sonho, realizo novos projetos como se a vida não fosse acabar. Resolvi reformar o apartamento. Alguns me disseram: Mas para quê? Você já está tão velho. Não! sou eterno enquanto existir e vou fazer! Nós morremos, isso é um fato. Não me preocupo com isso.”
Uma nova perspectiva nascia naquele momento: Eternocepção.
"Não seria a sensação de eternidade dada a nós mortais necessária para vivermos?
Pois assim como a esperança ilumina os céus nublados do futuro com luzes coloridas, não seria essa sensação de eternidade a permissão para se viver cada dia como se não houvesse preocupação com o fim?
Sim, essa "eternocepção" nos torna possíveis.
Pois como poderíamos viver o hoje com a contemplação constante do fim?
Por que haveríamos de nos apaixonar, casar, ter filhos, fazer carreira, se a cada momento percebêssemos o quão inútil seria tudo isso diante do inexorável fim?
Como poderíamos abandonar os que amamos para trabalhar, viajar, se tivéssemos clareza de que poderíamos não voltar!?...
A angústia de saber-nos longe dos que amamos...
Das coisas que não concretizaremos...
Valeria apenas o Agora, nada mais.
Sem planos, sem sonhos, sem projetos...
Sim, essa "Eternocepção" nos torna possíveis!
Possíveis de viver a ilusão diuturna do nosso destino.
E até quem sabe, sermos felizes."
Luis Saporetti 2014