INSPIRE-SE
Facilitar a conexão das pessoas com seu propósito pessoal e sua dimensão sagrada, integrando-os à saúde.

Pode a busca espiritual trazer consequências nocivas? Poderia a espiritualidade ter efeitos nocivos à psique? Essa pergunta me perseguiu por muito tempo. Muito precocemente em minha jornada, pude perceber que poderíamos usar a dinâmica psicológica das religiões para fins de controle e poder. Mas sentia a espiritualidade como local seguro. No entanto, certos posicionamentos me incomodavam: a negação do eu, a busca por estados que anestesiam as vivências sofridas, a negação dos aspectos sombrios do ser humano, o consumismo de autoajuda, gurus e mestres abusivos, escândalos sexuais, a proliferação de crenças espiritualistas, abordagens positivistas, etc. Poderia então a espiritualidade ter sua sombra? Seus reveses? O bypass espiritual (atalho espiritual) está na base de diversos comportamentos e crenças “espirituais”. Ele se apoia em algumas necessidades psicológicas básicas do ser humano. Temos muita dificuldade de aceitar que somos frágeis, vulneráveis, falhos e imperfeitos. Temos dificuldade de lidar com emoções e sentimentos como parte da vida. Dificuldade de entender que a Verdade está além de nossa possibilidade. E, por fim, temos medo de sofrer e morrer. Conjuntamente, vivemos hoje uma sociedade hedonista e narcisista que quer soluções rápidas para problemas complexos. Diante de tudo isso, torna-se erroneamente mais fácil encontrar atalhos. O termo spiritual bypass (atalho espiritual) foi primeiramente descrito em 1984 por John Welwood e ocorre com muito mais frequência do que eu seria capaz de imaginar. Doutrinas religiosas e espirituais incitam e legitimam o atalho espiritual. O atalho espiritual acontece toda vez que, baseado em valores e crenças espirituais, deixamos de fazer contato com a dor, com nossas necessidades e demandas psicológicas, para saltar diretamente para a perfeição. A ideia de uma perfeição espiritual exclui a possibilidade do imperfeito. Todo atalho espiritual nos distancia, então, do verdadeiro objetivo da busca espiritual: a totalidade, o Self. Não há atalhos na vida, não há atalhos para a jornada espiritual: “Decifra-me ou te devoro!” dizia a esfinge de Tebas, um monstro alado com corpo de mulher e leão. Que imagem fantástica de nós mesmos: meio homem e meio animal. No campo instintivo, como lidar com o corpo? Com a agressividade? O libido? Pode a espiritualidade conviver com a fome, o desejo sexual e a violência? O leão da esfinge é faminto. Por isso, tantos escândalos sexuais entre mestres, gurus e religiosos. Por isso, tanta intolerância religiosa. No atalho espiritual, aspectos cognitivos são priorizados em relação às necessidades do corpo. Vivemos estados de êxtase, de comunhão com o universo ou com Deus e, rapidamente, somos subjugados pelos impulsos do corpo, sua pulsão e seus instintos. O enigma não foi decifrado e a esfinge devora o homem. No campo emocional, o atalho acontece evitando o contato com as “emoções e sentimentos negativos” como se tais estados maculassem o discípulo. Somos seres de conexão, seres de relação, nossas emoções e sentimentos nos conectam com o mundo e as pessoas. Não existem emoções ruins. Elas apenas indicam que algo está acontecendo. O que faço com elas é que definirá se são boas ou ruins, e sabemos que não olhar para elas é muito ruim. O medo, por exemplo, indica uma ameaça real, potencial, externa ou interna. O medo nos deixa gelados, a barriga aperta, o sistema nervoso entra em alerta, pronto para uma explosão energética de luta ou fuga. Imagine uma lebre ignorando seu medo na floresta. Parece ridículo, né?... O que faço com meu medo? Com a preocupação, sua filha primogênita? Ando fervoroso sobre as águas? Estaria a bíblia incitando um bypass? Não, não percebo assim. Mas as interpretações dela incitam atalho. Nas palavras de Joseph Campbell “toda religião é uma mitologia mal compreendia.” Jesus, no evento citado, acalma a tempestade. Você já teve uma tempestade dentro de você? Eu já... Pedro não caminha sobre as águas pois tem medo dela, "tem pouca fé”. Pedro precisa lidar com a tempestade como Jesus fez, antes de poder andar sobre as águas. O mar representa nosso mundo emocional, nossas tempestades e maremotos. É preciso acalmar a tempestade para andar sobre as águas. A ênfase na fé cega incita o bypass. E a raiva? Ela nos prepara para impedir uma invasão, para expulsar invasores, para lutar. O peito enche, o rosto fica vermelho, os músculos retesam, as pupilas dilatam, a pressão e o pulso sobem. Imagine-se sem ela na hora de se defender ou a seu filho de uma ameaça real? Quem são os vendilhões do templo? Talvez aquele monte de tralha mental que precisa ser expulsa para que possamos realmente encontrar Deus dentro de nós. A tristeza por sua vez indica a perda de algo ou de alguém. Indica que estamos feridos e, quando estamos feridos, precisamos ficar parados por um tempo até recuperarmos nossas forças. Só a tristeza nos conduz às profundezas de nossa alma. Sem a tristeza, talvez as mais belas obras não teriam sido escritas ou compostas. No atalho espiritual, o indivíduo nega sua emoção/sentimento em função de sua crença espiritual, pois ela macula sua natureza e, assim, deixa de lidar com os problemas que as mesmas sinalizam. Quando não assimilamos esses aspectos emocionais e instintivos, eles se tornam sombrios, se escondem, se aprofundam, vão para o submundo da mente. De repente, fico furioso, violento, sucumbo à depressão, sou intolerante, abusivo, caio no vício daquilo que tento afastar. O excesso de tolerância é outra forma de atalho espiritual. Percebo frequentemente um discurso de tolerância recoberto por soberba de elevação espiritual e, às vezes, medo do confronto. Armadilhas que a mente pode criar. Como dizia Schopenhauer, "A razão é escreva atormentada da vontade.” Assim, visto-me de tolerância quando tenho medo de ser quem sou ou enfrentar os conflitos que me são impostos. Mais interessante ainda é dizer que “o outro não compreende o que eu compreendo” e, assim, precisamos ser tolerantes... quanta soberba. Sim, infelizmente, a jornada espiritual pode ser nociva! Nociva se aceitarmos os atalhos que nos colocamos, ou colocam no caminho. Quando aceitamos os atalhos, deixamos para trás partes essenciais do nosso ser. O processo deve ser lento, progressivo e cuidadoso. A lagarta tem seu tempo no casulo para se tornar borboleta e voar. Facilitar a saída do casulo, cortando-o no sofrido momento do nascimento da borboleta, deixa suas asas tortas e ela não voará. E é por isso que reafirmo: “Não acredito em espiritualidade soft!”* https://www.inspiritus.com.br/nao-acredito-em-espiritualidade-soft Baixe o PDF

A primeira vez que me defrontei com o termo Abuso Espiritual foi em 2005 em um artigo de Boyd C. Purcell. Nesse artigo, o capelão definia o abuso espiritual como o ato de fazer alguém acreditar que seria punido por não ter atingido uma vida boa o suficiente aos olhos de Deus. Essa mentalidade de diferentes crenças religiosas está espalhada em nossa sociedade de forma as vezes sutil. Tão sutil que grande parte dos pacientes tem como necessidade receber o perdão de Deus antes de morrer. O “merecimento”, seja através da fé, das virtudes ou do pensamento positivo, está tão arraigado nas bases de nossa cultura que nem percebemos. Será que Deus precisa de nossa idolatria para nos conceder benesses? Seria esse Deus criador de todo o universo tão mesquinho quanto o próprio ser humano? Desde aquela época ficou claro para mim o quanto certas pessoas poderiam utilizar a dinâmica psicológica das religiões em seu próprio beneficio. No entanto, sentia a espiritualidade como local seguro. Como a espiritualidade expressa a relação pessoal do indivíduo com o significado da vida, suas conexões e o sagrado sentia ela como mais imune a essas interferências. Estava errado... As conexões e significados estão sujeitas ao longo do desenvolvimento humano a toda forma de crenças distorcidas e abusos. Não nascemos com um potencial espiritual que não passe pela cultura e pela nossa história. As formas de conexão* e o sentido de vida fazem parte indissociável da nossa infância, nossa família, nossa etnia, a natureza que nos rodea e pela percepção que ao final de tudo isso resta de nós mesmos. SOMUS seres conexão, mas para sobrevivermos a infância o vínculo com o Outro será sempre mais importante que o Si-Mesmo. Passei a revisitar esse conceito de abuso espiritual... Existem no mundo centenas de religiões, por que a sua seria a melhor? A diversidade de visões de mundo e cultura é o maior patrimônio da humanidade. A necessidade de oprimir, ofender, rechaçar outras religiões demonstra uma grande insegurança com relação a verdade, de tal modo que é necessário destruir valores diferentes para que não haja mais dúvidas. Demonstra também uma incapacidade empática de perceber o outro como pessoa. Todos seres humanos tem, em essência, as mesmas necessidades, sofrimentos e esperanças. Por que o rótulo de uma religião, etnia ou gênero afastaria alguém da condição de Homo Sapiens? Nos dias de hoje estamos mais atentos a intolerância religiosa, mas existem formas sutis de intolerância. Na maior “boa intenção” vejo pessoas batendo de porta em porta para para falar de sua religião. Por que você tem o direito de bater na minha porta oferecendo a sua salvação? Pergunto-me qual seria a reação das pessoas se um pai de santo batesse a sua porta oferecendo axés? Curioso como tradições de base cristã não são questionadas a respeito de suas atitudes em nossa cultura. Religiosos visitam pacientes em hospitais sem consentimento dos mesmos, crucifixos existem em quartos de instituições e hospitais, etc. O Proselitismo é outra forma de abuso espiritual. É a ação ou empenho de tentar converter uma ou várias pessoas em prol de determinada doutrina, ideologia ou religião. Estou sempre curioso para entender verdades alheias a minha, mas tentar me convencer que a sua verdade é absoluta me desagrada bastante. Vivemos numa realidade relativa e diversa. A própria natureza é exemplo disso! Quantas espécies, quanta diversidade, e é bem mais bonito assim. O Proselitismo toma sua forma mais cruel quando ocorre com pessoas vulneráveis: crianças, idosos e doentes. As crianças recebem de seus pais a herança cultural-religiosa da família o que é natural. O abuso acontece quando a criança ou adolescente manifesta idéias e comportamentos não aceitos por aquela crença e é reprimida diante de uma suposta lei divina. Muitos idosos quando perdem sua independência se vêm forçados a aceitar valores diferentes dos seus, inclusive com limitação a cultos e convívio com pessoas da mesma tradição. Os doentes nos hospitais e nas casas sofrem todo tipo de proselitismo, até mesmo porque existe uma crença comum de que o estar doente acontece em função de quebra de leis divinas, carma ou ausência de fé. Familiares, voluntários e até equipe de saúde frequentemente tentam converter “na maior das boas intenções” os valores espirituais daquela pessoa. Insuflam nas pessoas a necessidade de merecimento com frases como: “Você precisa ter fé!”, “Precisa aceitar a vontade de Deus” ou “Temos que ter pensamento positivo.” Saindo do campo das crenças religiosas e espirituais me defronto finalmente com a espiritualidade e sua relação pessoal com a busca de sentido para a Existência. O objetivo da jornada espiritual é o encontro da totalidade, o Self como diriam os Junguianos. No entanto a totalidade só é atingida através da conversa entre os pares de opostos. Não é possível aceitar uma totalidade que não olhe para aspectos sombrios de nós mesmos. Quando digo sombrio, me refiro àquelas coisas que geralmente escondemos do mundo e de nós mesmos. As coisas não aceitas, “feias”, “frágeis”, “imorais”, etc. Quando criança somos culturalmente afastados desses aspectos em função de nossa necessidade de vínculo. Afinal, sem o vínculo com seus cuidadores as crianças não sobrevivem. Precisam assim adequarem-se a cultura familiar. Quando crescemos e podemos viver sem nossos cuidadores podemos nos lançar na verdadeira jornada espiritual. Toda jornada espiritual passa pelo confronto com tais aspectos e sua assimilação. Desse modo toda vez que alguém interfere no contato com tais aspectos fazendo brilhar apenas o lado luminoso da história está fazendo um abuso. Esse abuso é a indução ao bypass espiritual. O bypass acontece toda vez que, baseado em valores espirituais, deixamos de fazer contato com a dor, com nossas necessidades e demandas psicológicas, para saltar diretamente para nossa triunfante magnitude espiritual. *Ver artigo: https://www.inspiritus.com.br/somus-formas-de-conexao Baixe o PDF
Vivemos por centenas de milhares de anos imersos na natureza da biosfera e na natureza de nossa mente instintiva. Aos poucos o Homo Sapiens desenvolveu sua cognição e começou a pensar, analisar e interpretar o seu universo exterior e interior. Desse conflito de forças instintivas e racionais surgiu a linguagem simbólica e o ser humano começou a atribuir significado e sentido a seres, coisas e fatos. Muitos desses símbolos fazem interface entre aspectos racionais e irracionais, ligam expressões cognitivas com sentimentos e emoções, conscientes ou não. Um símbolo, e me arrisco a dizer que tudo que percebemos são símbolos, pode trazer atrelado a ele inúmeras memórias, emoções e sentimentos. Assim, o significado de cada coisa no mundo será individual. Por isso é muito difícil realmente entender o que uma pessoa percebe ou sente diante da realidade subjetiva ou objetiva. No entanto, alguns símbolos podem ter significados semelhantes para um povo, um grupo e até mesmo para a humanidade. Apesar de nosso desenvolvimento cognitivo, nossos aspectos arcaicos continuam habitando nossa mente. São centenas de milhares de anos de evolução para lidar com as forças da natureza e as nossas próprias forças instintivas vs apenas milhares de anos de linguagem e raciocínio. Nossa cognição permitiu o controle parcial de vários aspectos de nossa vida. Mas quanto mais controlamos a vida, mais nos afastamos da possibilidade da entrega. E é no campo da entrega, da confiança que habita o Numinoso. O Numinoso, também chamado de sagrado por alguns autores, é a palavra que denomina a dimensão profunda de conexão com o mistério: o mysterium tremendum. O numinoso traz consigo aquela percepção súbita de encantamento, beleza, reverência e mistério que arrebata a mente cotidiana e a toma para si. E o mistério só habita onde a razão não entra. Quanto mais controlamos a vida, quanto mais entendemos o mundo natural, mais o mistério fica renegado a outro lugar. De modo que chegamos ao ponto de não mais percebê-lo. Será? A natureza sempre foi grande fonte da numinosidade para o ser humano. O númen é aquela partícula celestial que permaneceu na terra quando no início dos tempos céu e terra se separaram para criar o tempo. Diante da natureza podemos nos encantar com sua beleza, sua força, sua majestade e nos colocar no devido lugar. Lá fora há um mistério, aqui dentro há um mistério que chamamos Vida. A retirada do numinoso da vida diária trouxe um prejuízo para nossas vidas. Quando o mistério caminhava entre nós a vida podia ter mais brilho. O sentido para viver tinha permissão para habitar em todos os seres e em toda existência. Tudo era símbolo que conectava a mente consciente e a inconsciente. Hoje a ausência de conexão como numinoso presente na natureza expõe a psique a transferências desses conteúdos arquetípicos para comportamentos perigosos. Exaltação política, vícios, fanatismo religioso, fé científica, consumismo, se tornam os novos númens. Divindades celestiais distorcidas, deslocadas de sua verdadeira morada. Baixe o PDF

A eternidade da alma foi por muito tempo um realidade para mim. Criado na tradição cristã e buscando a espiritualidade de outras tradições nunca havia me questionado a esse respeito. No entanto o convívio com o final da vida trouxe aos poucos questionamentos importantes a esse respeito. Lentamente a percepção da finitude foi tomando força como fato inexorável e grande ensinamento para a vida. Afinal como escrevia Rubem Alves: “A morte não fala de si mesma, fala do que fazemos e não fazemos da vida.” Nessa perspectiva da inexorabilidade do fim me sentia muitas vezes subjugado por sentimentos niilistas a respeito da vida. Será que devo me esforçar tanto? Para que tanta preocupação? Tanto empenho? Tantas expectativas? Se tudo termina. Foi então que o marido de uma paciente internada com Alzheimer me disse: “Não me preocupo pois sou eterno!” Pasmei! Como alguém pode dizer isso?! Minha provável cara de assombro diante daquela afirmação acelerou que se explicasse. Já erámos conhecidos há anos e nosso vínculo facilitava a intimidade: “Sei que vou morrer, não sou um lunático. Mas vivo sempre como se fosse eterno. Tenho 88 anos e sonho, realizo novos projetos como se a vida não fosse acabar. Resolvi reformar o apartamento. Alguns me disseram: Mas para quê? Você já está tão velho. Não! sou eterno enquanto existir e vou fazer! Nós morremos, isso é um fato. Não me preocupo com isso.” Uma nova perspectiva nascia naquele momento: Eternocepção. "Não seria a sensação de eternidade dada a nós mortais necessária para vivermos? Pois assim como a esperança ilumina os céus nublados do futuro com luzes coloridas, não seria essa sensação de eternidade a permissão para se viver cada dia como se não houvesse preocupação com o fim? Sim, essa "eternocepção" nos torna possíveis. Pois como poderíamos viver o hoje com a contemplação constante do fim? Por que haveríamos de nos apaixonar, casar, ter filhos, fazer carreira, se a cada momento percebêssemos o quão inútil seria tudo isso diante do inexorável fim? Como poderíamos abandonar os que amamos para trabalhar, viajar, se tivéssemos clareza de que poderíamos não voltar!?... A angústia de saber-nos longe dos que amamos... Das coisas que não concretizaremos... Valeria apenas o Agora, nada mais. Sem planos, sem sonhos, sem projetos... Sim, essa "Eternocepção" nos torna possíveis! Possíveis de viver a ilusão diuturna do nosso destino. E até quem sabe, sermos felizes." Luis Saporetti 2014 Baixe o PDF

Quando falamos de espiritualidade, muitas coisas vêm à cabeça. Nos tempos modernos, muitas dessas percepções estão relacionadas a aspectos de bem-estar. Existe, nos dias de hoje, um enorme consumo ao redor do tema. Técnicas, práticas, autoajuda, tudo com o objetivo de se encontrar paz, felicidade, bem-estar, etc. Como se a tal “espiritualidade” fosse o topo de um estado de tranquilidade a ser atingido. Muitos estudos científicos mostram benefícios de tais práticas e não tenho dúvidas do poder das mesmas. Estudos também demonstram que várias práticas dissociadas de qualquer entendimento ou significado tem efeitos magníficos no funcionamento cerebral e na fisiologia. Mas o que é espiritualidade? Muitas são as definições para um campo tão vasto. Todas reforçam ser uma dimensão pessoal. Muitas trazem de frente a conexão com a vida e/ou o transcendente, assim como seu sentido/significado. Eu, pessoalmente, uso o acrônimo SOMUS para expressar as diferentes formas de espiritualidade (Si Mesmo, Outro, Momento, Universo, Sagrado). Gostaria, no entanto, de aprofundar essa percepção voltando no tempo em busca de suas raízes. Se retornarmos aos primórdios da humanidade, notaremos o nascimento da espiritualidade na relação com as forças naturais e, especialmente, com a morte. Certo dia, um ser humano percebeu que outro humano morria! Ele podia ver o corpo morto do outro e perceber que era diferente do seu. Aquele corpo inerte e frio deve ter impactado profundamente seu ser. Antes respirava, agora não. O ar foi embora, “o espírito = sopro” foi embora. O grande sofrimento da morte abriga agora um mistério e a possibilidade da existência no imaterial. O espírito não está lá; estaria em outro lugar? Uma crise existencial culmina na busca por uma conexão e um sentido que transcende a materialidade. Uma das definições de espiritualidade diz que ela é uma qualidade do indivíduo cuja vida interior é orientada para Deus, o Sobrenatural ou o Sagrado. É encantador perceber que as pessoas com maior senso de conexão e sentido viveram em seu íntimo grandes sofrimentos: doenças, mortes, ruína, culpa, acidentes, pobreza, vícios, etc. O sofrimento parece ser o dinamizador da possibilidade de conexão e sentido com o imaterial. Como diria Rubem Alves: “Todos rezamos quando o amor se descobre impotente. Oração é isto: essa comunhão com o amor, sobre o vazio...” Na dimensão espiritual do ser humano, essa capacidade de encontrar sentido e conexão mesmo diante do absurdo, traz uma possibilidade de enfrentamento da realidade sem precedentes. Como nosso irmão pré-histórico que enfrentou a doença e a morte identificando um universo invisível que vai além da materialidade, seguimos hoje nessa constante tentativa de dar sentido a nossa experiência terrena. E é por isso que não acredito em espiritualidade soft, aquela que olha apenas para o luminoso da vida e não reconhece suas dores e mazelas. Aquela que usa de práticas destituídas de sentido para amortecer a dor ou evitá-la. Posso ser mal compreendido nesse ponto e esclareço: tais práticas tem seu papel ao tornar a dor suportável para ser trabalhada, mas não podem ser o objetivo em si mesmo. A busca por conexão e por sentido é o objetivo da espiritualidade e isso se faz num território onde a desconexão e o absurdo estão presentes. Não há como encontrar sentido sem reconhecer o absurdo, nem se conectar sem reconhecer a desconexão. Os pares de opostos caminham sempre juntos. Nos versos de um velho provérbio Taoísta: “Se todos na Terra reconhecerem a beleza como bela, dessa forma já se pressupõe a feiúra. Se todos na Terra reconhecerem o bem como o bem, desse modo já se pressupõe o mal. Porque Ser e Não-ser geram-se mutuamente. O fácil e o difícil se complementam. O longo e o curto se definem um ao outro. A voz e o som casam-se um com o outro. O antes e o depois se seguem mutuamente. " Baixe o PDF

A Espiritualidade é uma dimensão pessoal de conexão e sentido com a vida e/ou com o transcendente. Cada um de nós encontra sentido e conexão de forma diferente. De modo sintético, podemos resumir as formas de espiritualidade no acrônimo S.O.M.U.S (O Si Mesmo, O Outro, O Momento, O Universo, O Sagrado). Abordar a conexão com o Si Mesmo é curioso, pois qualquer percepção passa pelo Si Mesmo. Todas as formas de conexão passam necessariamente por ele. No entanto, alguns momentos trazem uma conexão mais clara do Si Mesmo. Podemos encontrar tal percepção lendo um livro, meditando, esculpindo, pintando, praticando ioga, etc. A conexão com O Outro é uma das formas de espiritualidade mais importantes. O ser humano encontra sentido e propósito em sua vida através da conexão com o outro, seja com seus familiares, amigos, colegas de trabalho, membros de comunidades e até com seus animais de estimação. Cuidando de pessoas em grande sofrimento e no fim da vida, identificamos facilmente o quanto essa forma de espiritualidade é presente e intensa, sendo responsável por grande parte do sentido de nossas vidas. A conexão com o Momento é responsável pela vivência do aqui e agora. Muitas tradições se baseiam no treinamento da consciência do momento presente como forma de conexão espiritual, pois a vivência completa do momento presente pressupõe um não julgamento, de modo que a mente não pule para o passado nem para o futuro. E se formos filosofar, é somente o tempo presente que existe em realidade. O passado se foi, o futuro está por vir. É esperança ou expectativa. A soma dos momentos vividos forma a nossa biografia. Todos somos recheados de memórias e lembranças importantes que dão sentido a nossa vida e que podem nos auxiliar em momentos difíceis. Através da nossa biografia, podemos encontrar força para seguir em frente ou mesmo finalizar nossa jornada. A Espiritualidade também se manifesta através da conexão com o Universo e a natureza. O ser humano encontra desde os princípios da humanidade conexão com o universo, seja através do sol, da lua, do mar, das matas, etc. Isso reside em nós até hoje. Quantos de nós ficamos em paz diante do mar, do pôr do sol ou mesmo próximo dos animais? No passado, e ainda para alguns povos, a divindade está na natureza. A natureza é a grande fonte da vida e toda sua manifestação pode ser percebida como espiritual. Outro aspecto espiritual importante dessa conexão é encontrarmos nosso lugar no mundo. Podemos ficar perplexos diante da grandiosidade do universo e percebermos nossa pequeneza e então, paradoxalmente, sentirmo-nos plenos e, por que não dizer: Grandes com Ela. O Sagrado é, em sua forma usual, aquilo que você definir como sagrado. Assim, sua família, seu trabalho, Cristo, Buda, Alá, Oxalá, seus antepassados ou a natureza podem ser sagradas para você. Na dimensão mais profunda, o Sagrado é o Numinoso, o Mysterium Tremendus. A percepção do Numinoso é arrebatadora, encanta e pode nos amedrontar diante de sua grandeza. Distorce o tempo e nos preenche com plenitude. O Numinoso também é dito como impronunciável, impossível de se dizer, escrever, materializar... Por ser uma dimensão arracional, é melhor expressa pela música, poesia e arte. Vários ritos religiosos e espirituais tem por objetivo a conexão com o sagrado. Embora útil para entendermos as várias facetas da espiritualidade essa divisão é meramente teórica e estática. Sintetizando essas formas: Si Mesmo, Outro, Momento, Universo e o Sagrado: SOMUS. SOMUS seres espirituais! SOMUS seres de conexão! SOMUS seres de sentido! SOMUS sempre! Baixe o PDF

- Mestre, fala sobre a espiritualidade! E ele respondeu dizendo: - Não é o sopro que habita o Homem o mesmo que habita todas as coisas? E não seria o primeiro alento de vida o cordão que une o corpo ao Insondável para então libertá-lo no suspiro final? O Espírito do Criador habita a todos. Tudo é vivificado por esse sopro divino: o rio, as plantas, os animais, o Homem. Todos inspiramos o mesmo Ar, o mesmo sopro. O sopro nos conecta e une na teia infindável do Tempo. No entanto, só ao Homem é permitido percebê-lo. Só ao Homem é permitido inspirar o Sopro Divino para recriar sua realidade. Pergunta-me então, querido discípulo, o que é espiritualidade? Respondo-lhe: Inspire a Si Mesmo! Tomado pelas palavras do mestre o discípulo começou a respirar profundamente e quando percebeu dançava intensamente diante do mestre. Ao perceber o que fazia envergonhou-se. O mestre olhou com ternura e disse: - O Criador Respira o Universo e Dança a sua Criação. Dance a criação de si mesmo. Levantou-se e partiu, não havia mais nada a ensinar. Luis Saporetti 2008 - Palestra em Casa de Aroni Baixe o PDF